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A Teoria das Supercordas
Poderia a gravidade canônica tridimensional
ser constante no infinito? O que significa exatamente o fato dos buracos
negros possuírem massa nula? Aliás, eles não possuem
nada, nem mesmo energia ou momento. Essas questões poderiam ser
discutidas indefinidamente. Porém, um sentimento suprimido de excitação
preenche o ambiente científico. A Teoria do Todo (Theory of Everything
– TOE), acreditam os teóricos, está começando a mostrar
suas facetas.
Quando finalmente decifrada, acredita-se, a Teoria
do Todo será simples o suficiente para ser escrita na forma de uma
equação facilmente solúvel. A resposta descreverá
um universo que será inegavelmente o nosso, com quarks, elétrons
e as outras partículas que compõem cadeiras, pássaros
e estrelas; com gravidade, forças nucleares e eletromagnetismo para
manter tudo junto; até mesmo com o big bang de onde tudo se originou.
O maior paradigma da ciência – incluindo a mecânica quântica
e a teoria da relatividade geral de Einstein – revelar-se-á extremamente
integrado. Os conceitos científicos como os conhecemos hoje serão
completamente alterados com o passar dos anos.
Grandes expectativas foram levantadas também
há uma década, quando argumentou-se a possibilidade da "teoria
das cordas" ser tomada como TOE. Os físicos basearam sua teoria
na premissa de que o objeto mais elementar do universo é uma corda
inimaginavelmente fina (imagine uma corda de violão, com diâmetro
muito menor que o de um fio de cabelo). As variações nas
vibrações dessas cordas permitiriam a existência das
partículas e forças no universo. Esses segmentos de cordas
teriam aproximadamente 10-33 centímetros de comprimento
e vibrariam de muitas formas diferentes. Cada freqüência de
vibração teria uma energia fixa e pelas leis da mecânica
quântica poderia ser tratada como uma partícula. Mas a teoria
das cordas logo esbarrou numa barreira matemática; ela necessitava
de cinco teorias não complementares. Pior, as teorias possuíam
milhares de soluções, muitas delas não se assemelhando
em nada com nosso universo.
Uma nova simetria peculiar, chamada de "dualista",
está fazendo com que todas as cordas diferentes se conectem. De
fato, esta teoria está refazendo o conceito que até então
se tinha de partícula fundamental. Alguns cientistas acreditam que
esta teoria não apenas levará à TOE mas também
iluminará o universo como o vemos hoje, esclarecendo por completo
as lacunas da mecânica quântica; outros criticam a teoria dizendo
que sua matemática é tão complexa que excedeu ao conhecimento
da maioria dos físicos e matemáticos de hoje.
Ao mesmo tempo, o mundo, de acordo com essa teoria,
torna-se cada vez mais bizarro. As cordas mudam rapidamente para buracos
negros, e vice-versa; novas dimensões surgem com realidades diferentes;
e não apenas cordas mas bolhas e outras membranas ditam os caminhos
do universo. A diversidade de links, acreditam os cientistas, levam para
uma entidade cada vez mais profunda - presumivelmente a TOE - que explicará
tudo.
Uma Nova Simetria
A palavra "dual" - que rapidamente substituiu
"super", mais comumente usada na teoria das partículas - tem muitos
significados diferentes para os físicos. De maneira geral, duas
teorias são ditas como duais se forem aparentemente diferentes,
mas possuírem os mesmo preceitos físicos.
Mais especificamente, a dualidade pode converter componentes
elementares em complexos: como uma partícula ou outra entidade é
fundamentalmente irredutível ou é feita de outras partículas
fundamentais depende do ponto de vista. Ambas as perspectivas produzem
os mesmo resultados físicos.
Os primeiros sinais de dualidade apareceram quando os
físicos trabalhavam nas teorias do campo quântico, que descrevem
partículas como ondas quântico-mecânicas espalhadas
no espaço-tempo. Na teoria do campo quântico cromodinâmico (CQD - Quantum
Chromodynamics), os quarks são partículas
elementares que possuem um tipo de carga semelhante à elétrica,
chamada de "cor". A "cor" faz com que um quark atraia outro muito fortemente,
juntando-se em duplas e trios para formar partículas maiores como
os prótons.
Assim como na teoria convencional não existem partículas
com carga magnética, não existiriam partículas com
carga magnética de "cor". Mas em 1974 cientistas russos e suíços
descreveram um mecanismo pelo qual os campos que compõe os quarks
podem ser formados por partículas, tratadas como pequenas esferas,
dotadas de carga magnética de "cor". Estas estruturas - que os físicos
estudam como esferas seguidas com setas representando vetores - são
genericamente chamadas de solitons e tratadas como partículas.
Assim, uma teoria dos quarks com cargas de "cor" talvez implique na existência
de solitons com cargas magnéticas de "cor", conhecidos como monopólos.
Os monopólos podem ser compostos de partículas, derivadas
dos campos mais elementares que os próprios quarks.
Em 1977, cientistas trabalhando em Gênova especularam
que as teorias de campo envolvendo "cores" talvez fossem dualísticas.
Isto é, ao invés dos quarks serem partículas elementares
e
compostos de monopólos, talvez pudesse se pensar nos monopólos
como sendo elementares. Assim, poder-se-ia elaborar uma teoria de interação
entre monopólos, argumentando que estes dão origem aos solitons
que formam os quarks. Tanto a aproximação dos quarks como
a dos monopólos devem produzir os mesmos resultados físicos.
Muitos teóricos são céticos. Mesmo
que a dualidade exista, ela pode ser impossível de ser estabelecida:
os cálculos matemáticos da QCD são extremamente difíceis,
e talvez seja necessário calcular dois estágios para comparação.
Na física, é muito raro conseguir calcular algo exato. Em
fevereiro de 1994, entretanto, cientistas indianos mostraram predições
de dualidade que podiam ser perfeitamente testados - e estavam corretos.
Enquanto isso, F. Seiberg estava desenvolvendo um algoritmo
fundamental para o estudo da QCD. Seu trabalho foi baseado na supersimetria.
Supersimetria é a idéia de que para cada tipo de partícula
constituinte da matéria, deve haver uma partícula relacionada
que transmite força, e vice-versa. A simetria ainda não foi
encontrada na natureza, mas os teóricos freqüentemente evocam
seus poderes.
Seiberg foi capaz de mostrar, usando a supersimetria para
explicar a interação entre as partículas, como alguns
cálculos impossíveis na QCD podiam ser resolvidos. Ele demonstrou
que as várias versões da QCD que incluem a supersimetria
são dualísticas.
Houve um imediato benefício. A QCD é difícil
de calcular porque os quarks interagem fortemente. Mas os monopólos
interagem fracamente, e os cálculos com eles são fáceis.
A dualidade pode permitir aos teóricos a lidar com os monopólos
- e automaticamente conhecer todas as respostas da QCD. Com esta teoria,
foi possível calcular com grande detalhamento porque os quarks livres
nunca foram observados na natureza.
Claro, a validade de todo esse trabalho depende do pressuposto
de que a supersimetria existe. Ainda, os cientistas acreditam que a dualidade
vai continuar a existir mesmo na ausência da supersimetria. Assim,
os resultados qualitativos seriam verdadeiros mesmo que os quantitativos
dependessem da supersimetria.
A dualidade é, entretanto, muito mais que uma ferramenta
de cálculo: é uma nova forma de se olhar para o mundo. Algo
para pensar em como os componentes tornam-se fundamentais, e vice-versa.
Mesmo que essa teoria não seja capaz de resistir à especulação
de que talvez os quarks sejam solitons, a dualidade entre algumas outras
partículas realmente elementares que sejam até menores pode
daí surgir.
Entoando todas as Cordas Juntas
O conceito de dualidade talvez tenha crescido
fora do campo das teorias de cordas, mas a dualidade é aí
muito mais natural. E também mais versátil. A dualidade pode
unir cordas de diferentes tipos, existindo em dimensões diferentes
e em espaços-tempos de diferentes formas. Todos esses fatores permitiriam
que a teoria das cordas superasse suas limitações e atingisse
o status de uma TOE.
No início de sua evolução, o conceito
das cordas falhou como teoria unificada devido aos muitos tipos de cordas
que foram postulados, bem como à multiplicidade de respostas que
forneciam. Essa plenitude teve sua origem em outra peculiaridade da teoria
das cordas - ela é consistente apenas se estas cordas habitarem
originalmente um espaço-tempo decadimensional. O mundo real, é
claro, tem quatro dimensões, três no espaço e uma no
tempo. Admite-se que as seis dimensões extra assumem formas espiraladas
tão finas que passam indetectadas por objetos grandes como seres
humanos - ou mesmo quarks.
Infelizmente para os teóricos das cordas, as seis
dimensões extra podem se alternar de muitas maneiras diferentes.
Dezenas de milhares é a estimativa oficial. Cada um desses espaços
fornece uma solução diferente para a teoria, com sua própria
foto do mundo quadridimensional - não exatamente o que se espera
de uma TOE.
Um tipo de dualidade chamado de sistema de espelhos encontrado
no final dos anos oitenta ajudou a resolver esse problema pela utilização
de algumas soluções alternativas. A simetria de espelho revelou
que cordas em dois espaços espiralados diferentes produzem as mesmas
partículas. Por exemplo, se uma dimensão se tornar muito
pequena, uma corda enrolada ao redor dessa dimensão talvez crie
as mesmas partículas que uma corda se movendo ao redor de um espaço
grande.
O tamanho da dimensão espiralada é muito
similar, na teoria das cordas, a outro parâmetro: a força
com que as partículas interagem. Como os espaços grandes
podem possuir a mesma física dos pequenos, talvez as teorias das
cordas com interações fortes possam produzir os mesmos resultados
de outras tendo interações fracas.
Essa conjectura relaciona as teorias das cordas do mesmo
modo que a dualidade o fez com a teoria do campo. Além disso, as
cordas parecem-se com partículas, então a dualidade nessas
teorias implica em dualidade na teoria do campo, e vice versa.
A dualidade está emergindo também de um
campo completamente diferente: a supergravidade. Essa teoria unificada
foi uma tentativa de atar supersimetria à teoria de gravitação
de Einstein. Em contraste, a teoria das cordas tentou modificar a teoria
das partículas para incluir gravitação.
Buracos Negros
Em abril de 1995, emergiu uma conecção
entre a teoria de cordas e os buracos negros - que prometia resolver a
segunda maior falha na teoria. Os buracos negros ajudariam a juntar talvez
milhares de soluções da teoria das cordas em um único
sistema complexo. Essa conecção torna o problema de encontrar
a solução correta - que descreve o universo - muito mais
simples.
Assim, os buracos negros estão às margens
da teoria das cordas daí em diante. Se uma quantidade muito grande
de massa se acumular em um único lugar, ela colapsa sob sua própria
gravidade para criar um buraco negro. Mas como foi argumentado pela comunidade
científica, um buraco negro - que normalmente absorve tudo, inclusive
a luz - poderia também emitir partículas, lentamente perdendo
massa. Se a massa original for constituída de supercordas, o decaimento
pode produzir por final um objeto com zero de diâmetro - um buraco
negro "extremo", parecendo, de fato, muito mais com uma partícula.
De fato, buracos negros extremos são simples campos de cordas, antes
conhecidos como solitons.
O Dr. Strominger, da Universidade da Pensilvânya
estava investigando como os buracos negros extremos se comportam quando
uma dimensão no espaço-tempo entra numa espiral de diâmetro
muito pequeno. Imagine um parafuso infinitamente longo, girando em seu
próprio eixo e mantendo as pontas juntas, de maneira semelhante
a uma rosquinha. Nesse sentido, as duas dimensões da superfície
do parafuso podem se encontrar, criando um espaço muito menor (que
continua não possuindo fronteiras). Agora suponha que a rosquinha
fique muito fina em um ponto. Com essa imagem pictórica, Strominger
descobriu que alguns buracos negros perdiam massa. Ele decidiu incluir
estes objetos em seus cálculos, como ondas quântico-mecânicas.
Dois fatos miraculosos ocorreram. Os primeiros cálculos
na teoria das supercordas sempre falharam quando o espaço ficava
tão fino quanto uma linha, mas a mecânica-quântica dos
buracos negros fez com que os matemáticos conseguissem trabalhar
de maneira satisfatória mesmo nesse caso extremo. Em termos de física
clássica, um elétron é infinitesimal comparado a um
próton. Apenas quando se utiliza a mecânica-quântica
pode se ver que o elétron descreve uma órbita. Outra conseqüência
foi o aparecimento de um grande número de buracos negros sem massa.
Essa fase de transição espelhou uma mudança
na rosquinha. Ela abriu na marte mais fina - de maneira tão violenta
que os físicos e matemáticos não conseguem determiná-la
- e remoldou-se em uma esfera, como uma forma alternativa de colocar uma
folha bidimensional em espiral.
Com os espaços internos assim correlacionados,
as cordas podem encontrar um deles que seja especial, movimentando-se ao
seu redor. Assim como a água congela no Ártico e vaporiza
no Sahara, as cordas podem encontrar a melhor configuração
para se desenvolver. Encontrar a solução correta torna-se
assim um problema dinâmico.
Em algum lugar no universo, deve haver um ponto onde as
cordas encontraram um espaço interno diferente. Ao entrar neste
ponto, os buracos negros transformariam-se em cordas, e estas em buracos
negros. Em nossa vizinhança imediata, esses pontos devem aparecer
como universos virtuais, que existem por frações de tempo
microscópicas e morrem antes de tornarem-se evidentes.
A Teoria
A despeito destes vôos teóricos,
os físicos voltaram à Terra a tempo de compreender que a
Teoria do Todo ainda está muito distante. Mesmo os mais otimistas
acreditam que o pleno entendimento da Teoria das Cordas levará ainda
várias décadas. E, se um dia for encontrada a equação
que resolva todos as questões do universo, ela pode vir a não
ser mais como a Teoria das Cordas. Talvez, seja apenas denominada de Teoria.
Nem todos os estudiosos estão convencidos de que
a Teoria do Todo está à porta. Um grande problema é
que talvez nunca exista um experimento prático para as cordas. Ninguém
pode ao menos conceber um teste para algo tão diminuto: os equipamentos
modernos não podem testar nada menor que 10-16 cm. Os
teóricos esperam que quando o Large Hadron Collider estiver
operando em estrelas CERN em 2005, a supersimetria, ao menos, poderá
ser evidenciada. Seria a melhor forma da natureza ser camarada - segundo
a crença de Einstein de que Deus não é malicioso.
Mas mesmo que a supersimetria seja descoberta, outro problema
intrigante permanecerá. No mundo real, as quatro dimensões
convencionais do espaço-tempo são curvas; o tipo de supersimetria
imperfeita que os teóricos atribuem à natureza, entretanto,
faz o espaço-tempo tornar-se espiral e extremamente fino em todas
as dimensões, de maneira impossível.
Alguns teóricos invocam a dualidade entre diferentes
teorias em diferentes dimensões para solucionar o impasse. Talvez
uma possa iniciar com um universo onde apenas três dimensões
são inicialmente curvas - sabe-se que uma delas é espiral.
Estes espaços possuem propriedades peculiares que permitirão
que os problemas com a supersimetria sejam superados. Finalmente, as quatro
dimensões podem ser induzidas a expandir, levando a um mundo como
o que conhecemos.
A peculiaridade da gravidade também levanta muitas
questões diferentes. Einstein descobriu que a gravidade cresce com
a curvatura do espaço-tempo. Então, para quantificar a gravidade
basta fazê-lo com o espaço e o tempo. Neste caso, talvez não
haja significado no espaço e no tempo, e talvez eles emerjam de
alguma estrutura aproximada a grandes distâncias.
A teoria das cordas é um caminho longo de onde
todas as expectativas se encontram. Por outro lado, A Teoria deverá
necessariamente ser capaz de descrever as circunstâncias mais extremas,
como a gênese do universo ou o ambiente interno de um buraco negro.
Alguns criticam os teóricos das cordas, afirmando que tendem a acreditar
cegamente em sua teoria alegando que ela pode lidar com tudo. Na realidade,
eles não entendem o colapso gravitacional melhor que qualquer outra
pessoa, dizem alguns.
Mas estes teóricos, por demais preocupados com
os desafios matemáticos de sua teoria, não se deixam abater
por qualquer tipo de crítica, e continuam a afirmar que a Teoria
das Cordas, quando finalmente compreendida em seus mínimos detalhes,
perderá as "Cordas" e será chamada de "A Teoria".
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