À palavra "químico", ou "produto químico",
foram atribuídos vários contextos diferentes, alguns procedentes, outros nem
tanto. "Químico", ainda hoje, tem variações de significado que vão
desde "a pessoa que pratica ou estuda a ciência química" ou
"pesquisador da química" até "artificial" ou
"nocivo", dependendo do contexto. Mas até que ponto cada um desses
termos pode ser aplicado com razão?
Realmente, todos os termos fazem sentido. "Químico" é aquele que
estuda e pratica a ciência química, é o produto, é o artificial (ou sintético),
é o nocivo... mas a química também é a arte, a ciência, a matéria e,
principalmente, a solução. Estão redondamente enganados aqueles que acreditam
que a química traz soluções para problemas que não tínhamos! A química
gera problemas quando mau utilizada, e esse mau uso vai desde seu emprego
deliberado em áreas incorretas ou conhecidamente prejudiciais ao homem até sua
utilização sem o perfeito embasamento científico.
Neste artigo são explorados argumentos que incitem uma reflexão individual
que possibilite ao leitor julgar, de acordo com sua consciência, até que ponto
cada significado de "químico" pode ser empregado com coerência.
A química não fornece soluções para problemas que não tínhamos, como
afirmam alguns. Desde
os primórdios, o homem deseja entender os fenômenos físicos e químicos, como
o calor por exemplo, e manipulá-los de acordo com sua necessidade. O frio não
foi criado pela química, mas o domínio do fogo, uma solução que pode-se
dizer essencialmente química, só foi possível após o entendimento, mesmo que
parcial, dos mecanismos de sua existência e funcionamento.
Desde a antigüidade o homem procura substâncias capazes de curar doenças,
transformar materiais inúteis em outros utilizáveis e otimizar o uso de
compostos naturais. A extração de corantes e aromas, por exemplo, nada mais é
que um processo químico de separação, utilizado primeiramente pelo homem pré-histórico
e aperfeiçoado ao longo dos tempos. Hoje temos uma grande variedade de
compostos que conferem cor e sabor a uma enorme gama de produtos de consumo.
Os antigos alquimistas aplicavam a química (então conhecida como alquimia)
para a produção da pedra filosofal - aquela capaz de transformar os metais
impuros em ouro alquímico, puro - e do elixir da longa vida - que curaria todas
as doenças e promoveria vida longa, e até eternidade, àquele que o ingerisse.
Tais artefatos certamente nunca chegaram a existir na realidade. Entretanto, os
trabalhos dos antigos mestres alquimistas não deixam dúvidas de que sua busca
ia além de simples objetos materiais. Eles buscavam, no ouro puro e no elixir
da vida eterna, a pureza de sua alma e a imortalização de sua sapiência.
Neste contexto, a química é não só arte e ciência, mas também filosofia e
religião.
No início da Era Industrial, a química também teve papel de suma importância
para o desenvolvimento de processos que pudessem gerar bens de consumo melhores
e cada vez mais elevar a qualidade de vida do homem. O entendimento e construção
dos primeiros motores à vapor, a confecção de remédios realmente eficazes, a
extração e manipulação de substâncias naturais em formas cada vez mais
puras são produtos da corrida industrial.
A química sintética, ou seja, o preparo de substâncias idênticas às
naturais, ou com efeitos muito próximos, só foi introduzida recentemente. A
palavra "sintético" quase sempre é vista com maus olhos. As pessoas
têm o conceito de que aquilo que não é "natural" certamente é
prejudicial. Este é mais um conceito errado. Quantos produtos sintéticos, ou
artificiais são utilizados atualmente? Um número certamente monstruoso! Hoje a
indústria produz desde fios sintéticos para a confecção de roupas até substâncias
utilizadas como aditivos em alimentos e remédios sintetizados.
E qual a vantagem de se utilizar materiais e substâncias sintéticas ao invés
dos naturais? O problema é que nem sempre é possível, por motivos técnicos
ou econômicos, extrair determinados tipos de substâncias de suas fontes
naturais em quantidades e níveis de pureza suficientes. O ácido acetil salicílico
(AAS) por exemplo, extraído das folhas de parreiras e utilizado como analgésico
em todo o mundo (aspirina), é produzido sinteticamente na escala de toneladas
ao ano. Sua extração das fontes naturais e purificação são econômica e
quantitativamente inviáveis.
Também graças à química, as previsões do profeta Malthus não se
concretizaram. A produção de alimentos foi suficiente para satisfazer à toda
população mundial - pessoas continuam a morrer de fome, mas certamente não
pela insuficiência de produção de alimentos, mas sim por problemas políticos
e econômicos que fogem ao escopo deste artigo.
Aliás, também devido á adição de aditivos químicos, os alimentos podem
ser conservados por mais tempo. E mesmo onde substâncias químicas não são
utilizadas diretamente nesse processo de conservação, o entendimento de fenômenos
químicos, como as transferências de calor e os processos de degradação dos
alimentos, devem-se graças a estudos químicos.
A quimioterapia, tratamento ao câncer que utiliza produtos químicos, é um
procedimento muitas vezes doloroso porém necessário. Há quem afirme que os
benefícios conseguidos com esse tipo de tratamento não compensam os efeitos
colaterais dos agentes químicos. Em termos, essa afirmação é correta. Isso
porque a quimioterapia nem sempre é utilizada com parcimônia. Em muitos casos
ela é necessária, mas em tantos outros não.
Suponha que um paciente venha a descobrir tarde demais que é portador da
doença, e que o médico saiba que o tratamento seria praticamente inútil. O
que seria mais correto, deixar que o paciente se vá, mas aproveite os últimos
dias de sua vida ou que mesmo assim tente-se fazer o tratamento que prolongue
sua vida, mas cujos efeitos o impediriam de levar uma vida razoavelmente normal?
A resposta da grande maioria é que dever-se-ia deixar o paciente escolher.
Entretanto o médico deve, por obrigação e juramento, fazer o máximo para
tentar salvar a vida desse paciente. Esse é um paradoxo que certamente não
encontrará uma solução até que se entenda e cure esse tipo de doença...
Aliás, o entendimento do câncer somente será possível quando todos os
mecanismos bioquímicos, de seu surgimento até o pleno desenvolvimento, forem
completamente entendidos e passíveis de manipulação pelos médicos.
É certo que existem as substâncias químicas que promovem o câncer.
Entretanto existem também aquelas que comprovadamente o combatem. A química não
pode ser responsabilizada pela ocorrência de uma doenças, especialmente essa
da qual tão pouco conhecemos, assim como não pode-se responsabilizar a
biologia pelas infecções bacterianas e virais que assolam a humanidade.
Mesmo os tão difamados defensivos agrícolas tiveram seu papel no
desenvolvimento do homem. Sem sua utilização, dificilmente as plantações
resistiriam ao ataque das pragas. Hoje questiona-se, entretanto, se o uso de
aditivos químicos de efeitos tão drásticos seriam realmente necessários. E
é justamente aí que começa a discussão sobre os usos correto e o ideal da química.
Utilizemos então o caso dos defensivos agrícolas como generalização dos prós
e contras do uso da química.
Que os defensivos agrícolas foram e ainda são essenciais para o combate às
pragas, quer sejam estes naturais ou artificiais (sim, defensivos agrícolas
podem ter origem natural), não existem dúvidas. Mas, mais uma vez é levantada
a questão: até que pondo os benefícios compensam os malefícios?
No caso do DDT, defensivo largamente utilizado nas décadas de 50 e 60. Hoje
sabe-se que este composto não é biodegradável - muito pelo contrário, é
extremamente estável - e existem vestígios seus em quase todos os seres vivos
do planeta (desde você mesmo até os ursos polares). Esse espalhamento do DDT
deveu-se á contaminação dos rios pelas águas de irrigação das plantações,
que atingiram os rios e entraram na cadeia alimentar. Sem dúvida os benefícios
trazidos pelo DDT foram menores que os malefícios. Então, por que este
composto foi tão utilizado?
Na época em que foi lançado no mercado americano, o DDT foi vendido como um
defensivo totalmente inócuo aos seres vivos - inclusive, em uma de suas
propagandas veiculadas pela televisão, litros de DDT eram borrifados em crianças,
mulheres e idosos em uma piscina. Porém, na época existiam relativamente
poucos estudos sérios sobre a biodegradação de compostos. Além disso, os
Estados Unidos passavam por um avassalador ataque de pragas, e qualquer produto
que prometesse acabar com elas era muito bem-vindo.
Outro problema que cerca a utilização dos defensivos agrícolas é seu mau
uso por parte dos próprios agricultores. Superdosagens, utilização sem
equipamentos de proteção adequados e a manipulação destes compostos por
pessoas despreparadas são exemplos.
Mas se a utilização desses produtos requer o uso de equipamentos de proteção
contra seus efeitos tóxicos ao homem, certamente eles fazem mau ao homem... Em
termos, sim. Porém existe aí um problema de concentração. Os produtos são
produzidos extremamente concentrados, e desenvolvidos para que, quando
utilizados na dosagem correta, sua concentração tenha efeitos mínimos ao
homem e ao meio ambiente, afetando única e exclusivamente as pragas.
Entretanto, talvez possam continuar existindo enganos como aquele que ocorreu
com o DDT. E quem é o responsável por isso? Certamente não é a química, mas
sim aquilo que chamamos de "interesse". A venda não só de defensivos
agrícolas como de outras substâncias químicas cujos efeitos não foram ainda
cientificamente estudados não é de responsabilidade do "químico",
mas dos "interesses". Claro que o químico, o profissional, tem sua
parcela de culpa, mas esse profissional age em nome do "interesse", não
da ciência ou do bem-estar da humanidade.
Hoje alguns agricultores afirmam que não utilizam "produtos químicos"
como defensivos agrícolas em suas plantações. Denominam esse tipo de cultivo
como "cultivo orgânico". A cultura orgânica consiste na adição dos
chamados "defensivos naturais", que nada mais são que extratos de
determinadas plantas ou fungos, ou seja, extratos de produtos
"naturais".
É louvável a iniciativa, visto que enquanto existe a possibilidade da extração
direta das substâncias de interesse da natureza ela é sempre bem-vinda. Mas,
note a palavra que denota a ação da cultura orgânica - extratos! Extrato é o
ato de extrair, ou separar uma substância de interesse, que nada mais é que um
processo químico, como muitos outros. Quando o agricultor mói determinado tipo
de planta, ferve e extrai o produto para aplicá-lo a suas plantações e
afastar determinado tipo de praga, nada mais faz que um processo químico como
qualquer outro. Certamente existe um princípio ativo químico nessa mistura que
é o responsável pela proteção da plantação, e talvez o agricultor nem
mesmo o saiba. Mas ainda assim sua técnica é extremamente interessante.
Tudo o que nos rodeia é química. Nós somos química, e interagimos
quimicamente com o ambiente que nos cerca. A forma como promovemos essa interação
é que sofre variações, por vezes drásticas mas por outras fenomenalmente benéficas.
A. Krell