Nunca o termo "holístico" foi tão utilizado quanto nos
últimos dez anos. A visão holística
do mundo parece ter sido descoberta há pouco, como uma sequência
da visão mecanicista de Robert Boyle. Entretanto o pensamento holístico
foi concebido há milênios, quando a visão mística foi substituída pela observação e interpretação
racional, e teve seu apogeu na Grécia Antiga.
Mas, o que vem a ser holístico? Antes
de qualquer conjectura, deve-se ter uma visão completa do termo.
Aliás, uma visão holística. Pois bem, holístico
vem do grego e significa, grosso modo, o todo; completo. De maneira
mais precisa, holístico é aquilo que refere-se ao
holismo,
que é a "tendência, que se supõe seja própria
do universo, a sintetizar unidades em totalidades organizadas".
Entretanto seu significado prático vai
muito além. Em termos filosóficos, significa "a interação
do todo com o todo", "como cada parte funcional de um sistema qualquer
interfere no todo, e o todo nestas". Outro termo muito utilizado é
ontológico.
Porém, a ontologia está, hoje, muito mais ligada a questões
abstratas, principalmente no tocante ao comportamento humano. Holístico
reflete muito mais a análise de sistemas científicos e concretos.
A visão holística da química,
bem como de todas as demais áreas do conhecimento humano, vem há
tempos contestando o pensamento reducionista de Descartes e Newton. Diferentemente
de outros pensadores ancestrais e contemporâneos, estes cientistas
propuseram procedimentos para análises sistemáticas de fenômenos
físicos e químicos. Newton e Leibnitz, principalmente, criaram
ferramentas matemáticas de alta sofisticação para
comprovação e quantificação dos fenômenos
naturais observados - o que mais tarde foi denominado simplesmente de "cálculo
diferencial".
O pensamento newtoniano-cartesiano é basicamente reducionista, isto é, todos os fenômenos naturais podem e
devem ser separados, classificados e reduzidos em suas menores partes,
irredutíveis. A análise completa e individual desses componentes
fundamentais produziriam as respostas essenciais para entender e manipular
os fenômenos naturais de acordo as necessidades do homem.
Renné Descartes, em "O Discurso do Método",
evidencia este caminho não somente como o mais sensato, mas como
o único possível para a compreensão do universo físico.
Este pensamento reducionista difundiu-se por quase todas as áreas
do conhecimento humano, da física até a psicologia, e realmente
produziu, a partir de sua adoção por toda a comunidade científica,
resultados e descobertas surpreendentes.
A divisão dos grandes problemas em menores
transformou os mais complexos sistemas num simples quebra-cabeça,
onde bastava a definição do local correto para a colocação
de cada peça para formar o retrato completo do fenômeno. A
comunidade científica da época estava em êxtase, a
tal ponto que a aceitação de uma teoria dependia da análise
crítica quanto aos preceitos do que foi chamado de "Método
Científico". O método científico nada mais é
que um conjunto de quesitos que uma teoria deve apresentar para ser aceitável
como modelo físico do fenômeno, bem como estipula os procedimentos
para a determinação de tais quesitos. Assim, um modelo deve
ser matematicamente comprovado, e os resultados teóricos devem apresentar
uma aproximação estatisticamente aceitável em relação
aos empíricos.
Desde então, o empirismo foi tomado como
ferramenta substancial da análise científica. Hoje, entretanto,
fenômenos que ocorrem em condições extremas, como temperaturas
ou pressões impossíveis de serem alcançadas com a
tecnologia atual, são demonstrados teoricamente. Este modelamento
teórico, entretanto, é aceitável apenas se nenhum
conceito fundamental for violado, e se todas as aproximações
empíricas apontarem para aquela direção.
O empirismo teve enorme contribuição
para o pensamento reducionista. A partição dos complexos
fenômenos naturais em elementos fundamentais proporcionou aos químicos,
entre eles Robert Boyle, ícone da química contemporânea,
desenvolver, analisar, explicar, quantificar e, principalmente, manipular
os experimentos de forma a reduzir os complicados sistemas físico-químicos
em simples equações matemáticas.
Este fato, aliás, não ocorreu tão
somente no campo da química ou da física. Todas as ciências
acompanharam o pensamento de Descartes. A medicina passou a tratar o homem
como uma máquina, quase perfeita, cujo mau funcionamento era proveniente
de um "defeito" de uma de suas peças. O interesse pela fisiologia
humana data de épocas mais remotas que a construção
das pirâmides do Egito, com estudos documentados do comportamento
dos tecidos ao contato com determinadas substâncias. Mais remota
ainda é a busca de elixires e drogas que prolongassem ou, eventualmente, perpetuassem a vida, segundo os preceitos alquímicos - onde
destaca-se
o excepcional trabalho de Paracelso. Entretanto foi a partir da introdução
do pensamento newtoniano-cartesiano que o mundo da medicina viveu uma explosão
de experimentalismo que culminou no entendimento quase que completo dos
órgãos e suas funções.
Dividiu-se o cérebro em partes. A produção
de substâncias químicas, bem como as reações
eletroquímicas que ocorriam naquele tido como o principal órgão
do corpo humano, começaram a ser exaustiva e sistematicamente estudadas.
Ainda hoje não se conhecem todas as funções e capacidades
do cérebro humano. Acredita-se que o homem utiliza menos de 20%
de seu potencial criativo. Os "defeitos" do cérebro começaram
a ser relacionados com as demências e desvios de comportamento.
Os avanços conseguidos com o método
científico reducionista são inquestionáveis. Entretanto,
uma parcela de cientistas argumenta que o método reducionista teve
efeitos colaterais significativamente negativos para o desenvolvimento
da ciência e do bem-estar do homem moderno.
O principal argumento dessa ala de pensadores
é que, conforme a ciência moderna reduziu os fenômenos
nas suas menores partes, esqueceu-se de analisar as interações
entre elas, bem como o comportamento do todo na ausência de uma delas
e o contexto do próprio homem nestas partes diminutas. Assim, com
o passar dos anos, as pesquisas científicas tornaram-se tão
específicas que perderam seu significado original: o perfeito entendimento
das forças da natureza, em benefício do bem-estar do homem.
Realmente é possível observar,
em todos os campos do meio científico, que os sintomas apontados
por estes cientistas é fatídico. As investigações
químicas tomaram caráter cada vez mais pontual, e seus efeitos
tornaram-se relativamente diminutos. O pensamento newtoniano-cartesiano
foi, assim, posto em xeque. Mas até que ponto estas observações
são válidas? Esta generalização realmente é correta? Seriam os benefícios trazidos pelo reducionismo
compensadores
desta suposta falta de visão científico-holística?
Renné Descartes, em seu Discurso do
Método onde explana sobre o método científico
e suas aplicações, cita de maneira indireta que para o completo
entendimento de qualquer investigação científica deve-se avaliar as causas e conseqüências. Ou seja, Descartes já
possuía, inspirado na filosofia grega, conhecimento do holismo.
Entretanto essas informações foram
transmitidas nas entrelinhas, de maneira metafórica. Quando Descartes
dizia, logo na parte introdutória de seu Discurso, que "de
todas as virtudes que os homens possuem, o bom senso é a única
que todos acreditam já ter o bastante, de modo que nenhum mais é
bem-vindo" e que "ser possuidor de bons poderes mentais não é
suficiente, o importante é saber como aplicá-los bem, já
direcionando o espírito do leitor para o pensamento holístico,
que se seguiu por todo o restante da explanação. Mesmo enquanto
explanava sobre o pensamento reducionista, Descartes ressaltava que o estudo
só estaria completo e, portanto, o fenômeno plenamente dominado,
após o mapeamento de todas as possíveis interações,
incluindo a do sistema como um todo com o ambiente onde está inserido,
e vice-versa.
Outro pensador cujos trabalhos foram inquestionavelmente
fantásticos foi Sir Isaac Newton. Ele criou um tipo cálculo
matemático totalmente novo, porém tão elegante e preciso
que chamou a atenção de toda a comunidade científica
da época - o cálculo diferencial e integral. Essa forma de
"traduzir" as observações do mundo físico em equações
matemáticas só foi possível pela adoção
de técnicas essencialmente empíricas e reducionistas. O intuito
de Newton era transformar em números tudo o que era observado. Seria
como se o fenômeno físico em questão não passasse
de um input para que as equações matemáticas
fizessem todo o trabalho e devolvessem, àqueles que soubessem enxergar,
as respostas às mais complexas questões sobre o comportamento
da natureza.
Entretanto, Newton tinha plena consciência
de que a utilização do cálculo por si só não
daria sequer uma única resposta. Acompanhando a inferência
matemática, deveria existir uma força mental que ia além
da simples materialização em modelos geométricos.
Newton argumentava que o fato de os modelos geométrico-matemáticos
nunca serem capazes de reproduzir os fenômenos físicos com
a mesma perfeição da natureza era evidência cabal e
suficiente.
Assim, o modelo geométrico-matemático
deveria, após todos os cálculos estarem completos, ser analisado
por outra óptica. Esta óptica nada mais era que a visualização
do fenômeno na mente daquele que concebeu seu modelo aproximado,
analisando os desvios entre eles e avaliando suas possíveis causas.
Numa terceira etapa, o modelo matemático poderia ser analisado sob
vários pontos de vista e em vários contextos, sempre mantendo
em mente seu grau aproximativo.
Mas não era possível chegar a tais
análises de interação sem possuir uma visão
plena do que de fato ocorria. Deste modo, Newton também aplicava
a seus modelos geométrico-matemáticos o holismo. Porém, como fizeram muitos outros sábios na história da humanidade,
seus raciocínios foram expostos de maneira matematicamente metafórica
e elegante, e não apenas quem pudesse poderia apreciá-los,
mas quem realmente quisesse. Note que as três Leis de Newton, que regem a física clássica - longe dos campos gravitacionais
fortes e a velocidades bem mais baixas que a da luz, onde deve ser aplicada
a Teoria da Relatividade de Einstein - são extremamente simples
e aplicam-se a todo o universo tangível.
Albert Einstein também aplicava a visão
holística em suas pesquisas. Acredita-se que Einstein não
foi um bom matemático, ou não tão excepcional a ponto
de derivar tantas equações quantas na realidade o fez. Mas
o que este gênio da ciência moderna possuía era uma clareza de visão, percepção e raciocínio lógico
que o deixava sempre muitos passos à frente daqueles que eram cegados
justamente pelo refino matemático. Antes de conceber qualquer equação
das Teoria da Relatividade - Especial e Geral - Einstein já "via"
a dinâmica do fenômeno relativístico.
Einstein também afirmava: "meu dedo mindinho
me diz que a teoria da mecânica quântica está incompleta".
Tentou por várias vezes demonstrar seu ponto de vista, mas não
obteve sucesso. Ainda hoje, cientistas de todo o mundo, com uma tecnologia
muitas vezes mais avançada que aquela de que Einstein dispunha,
procuram uma teoria que unifique a mecânica quântica e a Teoria
da Relatividade!
Nicolas (ou Niklas) Tesla, criador da bobina eletromotriz
entre várias outras utilidades ligadas ao eletromagnetismo, era
grande possuidor de visão holística, à sua maneira
- muito embora acredita-se que ele nunca tenha sequer pensado sobre isso.
Antes mesmo de iniciar a construção de qualquer protótipo,
Tesla o idealizava em sua mente de tal forma que, normalmente, poucos ajustes
eram realmente necessários. A idéia materializava-se já
quase que perfeita!
Muitos outros pensadores, como Euclides, Hermógenes, Kepler, Demócrito,
Leibnitz, Shrödinguer e Arquimedes aplicaram
e tantos outros continuam a aplicar o holismo em suas pesquisas e descobertas.
Levanta-se, então, a seguinte questão: por que hoje tantos
cientistas apontam a falta de visão holística como grande retardatário ao desenvolvimento da humanidade, principalmente no
campo das ciências? Alguns autores modernos chegam até a criticar as obras de Descartes e
Newton, argumentando que em algum ponto estes ícones
da ciência deixaram algo para trás.
Entretanto a visão holística não
é congênita. Ela é desenvolvida ao longo das experiências
e de acordo com os estímulos recebidos pelo pesquisador do meio
externo. A visão holística é aplicada atualmente, e também nas áreas essencialmente científicas - não
apenas filosóficas. Mas não a todo tempo, e nem em todas
as áreas.
Como já argumentado, o meio externo -
ou seja, tudo que rodeia o pesquisador - é fator determinante para
o desenvolvimento do holismo. Um cientista que tenha prazos para concluir
uma pesquisa certamente não aplicará o holismo de maneira
satisfatória, bem como aquele que possua interesses exclusivamente
mercantilistas e econômicos.
J. W. Gibbs, um dos maiores químicos de
todos os tempos e o homem que criou grande parte das relações
termodinâmicas, publicou seus pensamentos um único volume,
num trabalho que tomou toda sua vida. Este trabalho era tão complexo
e completo, que a comunidade científica demorou mais de dezessete
anos para compreender sua grandiosidade. Morreu tendo ainda seus estudos questionados por vários pensadores da época. Hoje são
plenamente aplicados em diversas atividades industriais.
A visão holística é algo
que a mente humana só é capaz de conceber quando livre de
interesses "mundanos". A palavra "visão" tem um sentido bem mais
próprio e completo que imaginam aqueles que criticam o cartesianismo
e o newtonianismo. Aliás, é esta palavra que diferencia os
grandes mestres! Eles eram capazes de realmente "ver" a ocorrência
dos fenômenos, de maneira bem mais precisa e completa que os próprios
modelos que desenvolviam e apresentavam!
Assim, Newton e Descartes não erraram
e nem falharam ao desenvolver as premissas do método científico.
Erram aqueles que não as interpretam de maneira holística.
Estes grandes pensadores foram grandes divulgadores do holismo, mesmo não
o fazendo de maneira explícita. Erram aqueles que não aplicam
de maneira consciente o método científico. Erram os hipócritas
que escondem-se atrás de um pseudo-conhecimento. Erram aqueles que
criticam seus trabalhos, mesmo sem compreender seu significado e sua magnitude!
A. Krell